segunda-feira, 16 de novembro de 2015

JOGANDO MIGALHAS AOS PÁSSAROS

JOGANDO MIGALHAS AOS PÁSSAROS
Vânia de Farias Castro.
Lá estava ela, no alto de sua sacada jogando migalhas de pão para os pássaros que chegavam em fila para comê-las, em um telhado de zinco que ficava abaixo de sua sacada. Era o teto da casa do vizinho… Estava ela ali, acordada nas primeiras horas da manhã, naquele ato, que mais parecia um ritual, uma oração proferida por um místico.A impressão que me causava é que a mesma repete este gesto todos os dias, à mesma hora, com a pontualidade de um relógio Suíço.
Meu neto me chamou a atenção para aquele gesto: uma mulher magra, morando na periferia de uma pequena capital, numa comunidade onde as pessoas, vivem com muito esforço e sacrifício, muitos indigentes, catadores de lixo, professores, auxiliar de enfermagem, alguns na marginalidade… Me falaram que a mesma sofre de depressão, seu corpo é magro e seu rosto quase sem expressão… Seus atos um pouco estranhos, nos causando, quando a conhecemos, medo e estranheza, só que agora não estranho mais . A depressão nos deixa transformados em mortos vivos, parecemos bonecos sem vida. Não os bonecos gigantes de Olinda, com suas feições alegres, e uma multidão de foliões os seguindo ao som de vassourinhas, do saudoso Capiba, ou outros sucessos carnavalescos.
Quando padecemos da depressão, ninguém nos segue, somos segregados e criticados, como se a enfermidade fosse uma maldição que só alcança alguns pecadores ou criminosos… O interessante é que a nova/antiga morféia atinge qualquer um: cultos, incultos, indigentes e abastados… Belos e desprovidos de qualquer beleza física… Ela não discrimina seus eleitos: escolhe a seu bel prazer e parece sentir um enorme prazer em tirar nossa vontade… de viver, de sorrir, de caminhar, de sonhar, trabalhar estudar, enfim, de fazer tudo que antes nos causava alegria e/ou felicidade. Parecemos mamulengos jogados ao canto, esquecidos pelo ator manipulador, e bonecos sem alguém que os manipulem e lhes deêm voz, não tem vida, ficam amolentados e caídos como se não existissem…
Mas voltemos a mulher… em seus gestos quase automáticos, cumpria com lentidão sua missão/oração/tarefa. Sim porque para quem sofre de depressão, jogar migalhas aos pássaros é como empurrar um caminhão, o esforço é tão grande que exige de nós a força que usaríamos para carregar um saco de cimento de cinquenta quilos… Mas passei a observar e admirar aquele singelo gesto e me perguntar por que os saudáveis e dispostos esqueceram de jogar migalhas aos pássaros?
Vânia de Farias
em 23 de fevereiro de 2015.

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