Pois é, hoje é meu dia
mas não esqueço de ontem
quando fui queimada nas fogueiras da inquisição
quando fui acusada de bruxaria, por fazer as beberagens para aplacar as dores físicas dos homens...
Hoje é meu dia, e quem sabe eu receba flores
mas não esqueço das senzalas, quando os meu donos comiam meus quitutes,
que aprendi com meu povo, e ainda se vangloriavam aos vadios seus
iguais, que me comiam, à revelia de meus sentimentos e desejos, afinal
eu era apenas uma mercadoria.
Hoje é meu dia, e receberei presentes
mas é difícil olvidar do dia em que meu marido saiu para comprar
cigarros e jamais voltou, desertando dos compromissos assumidos, das
juras e promessas e me deixando sete filhos, para criar, alimentar e
educar, não esqueço das noites fazendo cocadas e dias, tapiocas, dos
temperos secos que minhas crianças saíam a vender para me ajudar no
sustento meu e deles próprios.
Não esqueço que minha mãe,
negava-lhes um pão velho, numa barraquinha onde vendia cachaça e alguns
alimentos, mas que não eram suficientes para ajudar a alimentar seus
netos... E acho que ela era mulher.
Hoje é meu dia, e quem sabe
receba mil beijinhos cheios de dengo e encômios, mas não esqueço quando
fui abandona por todos os amigos, esposo e familiares, inclusive algumas
mulheres.
E meus rebentos, quase arrebentados de fome e
indiferença, ficaram à míngua de pão, cuidado e afeto, enquanto eu,
entre a loucura e apatia, nem lembrava mais se era mulher ou um vegetal.
Pois é, hoje é mesmo o meu dia,
afinal, nos que sobram dos anos, o dias são dos homens, dos machos, e
de outras mulheres machistas, que dizem, estão apenas reproduzindo um
modelo... Aprendido, já que não aprenderam nem apreenderam o que é
solidariedade, compaixão, cumplicidade, mesmo que aparentemente,
enfrentam os mesmos paredões de julgamento e fuzilamento, a que todas
nós, somos jogadas.
Acho que não quero flores, quero continuar
lembrando da hipocrisia, da saia curta que não posso usar, do sub
emprego, da tripla jornada de trabalho, afinal sou mulher, o sexo forte,
que foi fragilizado ao longo dos séculos, e quando um certo Homem,
tentou defendê-las e restituir-lhes à dignidade assaltada, também foi
julgado, condenado e crucificado, como continuamos até o dia de hoje:
dia da mulher!
Vânia de Farias Castro.
Em 08 de março de 2020
Imagens: Google