quinta-feira, 15 de março de 2018



Fui questionada por uma amiga virtual sobre a postagem da notícia do suicídio de uma jovem colega advogada, acreditando a mesma tratar-se de um lapso de minha parte, e pedindo-me com muito carinho e quiçá envolvida por forte emoção e pesar que eu repensasse minha atitude e retirasse a notícia adrede publicada e por mim compartilhada.
O argumento embasador do comovido e estranho pedido, foi o de que A DOR DO OUTRO NÃO SE ESCANCARA ASSIM (grifo nosso), se negou até a "falar" sobre a publicação questionada e objeto de sua bem intencionada CENSURA.
Quero esclarecer que se a nobre amiga se refere ao falecimento da jovem em decorrência de autocídio, saiba que publiquei com o fito de alertar às pessoas sobre a gravidade da depressão que vem ceifando vidas ao longo dos anos, sem que as mesmas se detenham no exame e cuidados para com os portadores de tão grave enfermidade.
Acrescento ainda que também sou vítima desta terrível e cruel patologia, entretanto alguns familiares e "amigos", acreditam que seja frescura, mimo ou pasmem! Preguiça, mesmo reconhecendo que sou hiper ativa e Workaholic e por este fato também me rotulavam ou ainda me rotulam de louca.
Certa feita uma prima com um sorrisinho cínico , me informou que não sabiam que um jovem primo - da mesma "maravilhosa família"- sofria de depressão e só vieram a acreditar quando o mesmo cometeu suicídio.
E mais, a partir do momento em que deixarmos de publicar eventos dolorosos sobre tão frágil argumento, estaremos calando nossas vozes para todas as atrocidades e crueldades cometidos por humanos contra seus semelhantes.
Calaríamos diante do assassinato de ISABELA NARDONE, de ARACELY, de DANDARA, do ÍNDIO ainda infante que teve sua frágil garganta degolada, de JOÃO, que foi assassinado por esperar algumas sobras de alimento na calçada do habib's, de ELISA SAMUGIO, da POETA VIOLETA FORMIGA, FERNANDA RODRIGUES DOS SANTOS, de 40 anos, assassinada com um tiro no peito enquanto dormia sob uma marquise na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, na zona sul da capital fluminense.
Vale lembrar que essas vítimas também tinham famílias, amigos, colegas e outros entes queridos, e que os mesmos ainda sofrem sob os rigores do luto, revolta, dor e saudade, e não podemos alimentar a crença de que a dor só dói quando se trata de um parente, conterrâneo ou um familiar predileto ou útil pela pela ótica distorcida de uma sociedade de consumo e egótica!
A especialista no tratamento de padrões mórbidos de relacionamento amoroso e no tratamento de viciados em drogas lícitas e ilícitas , Robin Norwood, no livro MULHERES QUE AMAM DEMAIS, afirma ser impossível em apenas um livro abordar os inúmeros tipos de família doentia, não obstante ser importante entender que O QUE TODA FAMÍLIA DOENTIA TÊM EM COMUM É A INCAPACIDADE DE DISCUTIR PROBLEMAS ENRAIZADOS (grifo nosso).
"Há problemas que são discutidos, exaustivamente, na maioria dos casos, e eles ocultam frequentemente os segredos subjacentes que tornam a família desajustada."
Ora, se ampliarmos essa afirmação para um grupo maior, ou seja, para nossa cidade, estado ou país, veremos que esse tipo de dinâmica é muito comum, que tendemos a calar ou sussurrar quando o assunto ou conflito nos incomoda, e ficarmos silentes e confortáveis é pouco, precisamos calar outras vozes que se arvoram no direito de levantar toda ou a mínima sujeira que jogamos cinicamente para debaixo do tapete!
"É o grau de discrição, de segredo, - a incapacidade de discutir problemas-, e não a seriedade dos mesmos, que define tanto o grau de desajuste da família quanto a gravidade dos danos causados a seus integrantes.
Família desajustada é aquela em que os membros têm funções inflexíveis e a comunicação é seriamente restrita a argumentos cabíveis a essas funções. As pessoas não são livres para expressarem uma série de experiências, vontades, desejos e sentimentos. Têm que limitar-se a desempenhar seu papel, que se adapta aos papéis dos outros membros da família."
Se numa grande, mediana ou pequena família, estes papéis rígidos, -mesmo que ocorram eventos que venham a alterar a sua dinâmica-, como o desemprego do chefe da família, a deserção dos compromissos de um dos cônjuges, ou mesmo a separação em decorrência de óbito, um quadro de depressão em uma bela, inteligente e amável mãe e esposa, ou outros fatores adversos. Se os membros dessa família insistirem em manter os papéis adrede combinados e/ou esperados, essa família se destrói ou leva a destruição, isolamento e morte um de seus membros, que esteja mesmo que temporariamente mais debilitado.
Transcreveremos parcialmente artigo de Laura Aparicio - Pão e Rosas México, A DEPRESSÃO COMO FENÔMENO SOCIAL NO CAPITALISMO, que acreditamos ser útil a título de ilustração:
"Atualmente, o termo “depressão” tem se igualado à noção de tristeza e pouco se entende sobre seu fator social, já que as tendências da psiquiatria abordam a doença a partir de um ponto de vista biológico e individual
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), calcula-se que a depressão afeta mais de 300 milhões de pessoas no mundo, que cerca de 800.000 pessoas se suicidam a cada ano, que 78% dos suicídios ocorrem em países de baixa e média renda, e que o suicídio é a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos.
A depressão inclui sintomas como perda do sentido da vida, inibição, desesperança, sentimentos de vazio, infelicidade, um mal estar indefinível e generalizado, desinteresse pelo cuidado pessoal e por atividades que antes eram gratificantes, insônia ou hipersônia, fatiga ou perda de energia, dores de cabeça, transtornos alimentares, diminuição do desejo sexual, dificuldade de raciocínio e concentração, ansiedade, sentimentos de culpa, inutilidade e de um profundo e incontrolável sofrimento.
Algumas de suas consequências são o abandono do trabalho ou dos estudos, conflitos conjugais e/ou familiares, alcoolismo e dependência de drogas; do mesmo modo, a depressão não equivale a suicídio, mas este é uma possibilidade em casos graves. O nível depressivo – leve, moderado ou grave – dependerá do histórico psíquico de cada sujeito e dos recursos com os quais possa contar, como as redes de apoio de familiares e amigos.
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No México, os índices de suicídio aumentaram catastroficamente, já que no ano de 1994 foram registrados 2.603 suicídios, e em 2016 estes números cresceram aproximadamente 200%, com 6.370 suicídios registrados. De acordo com dados do órgão mexicano Instituto Nacional de Estadística y Geografía (INEGI 2017), 41,3% destas mortes correspondem a jovens de 15 a 29 anos e 3,7% correspondem a adolescentes de 10 a 14 anos de idade.

Fonte: INEGI Estatísticas de mortalidade]
Além disso, é importante destacar que 8 a cada 10 suicídios no México foram cometidos no interior de domicílios particulares (76,2%), segundo dados do INEGI.
O tabu da depressão e seu fator social
Parece um paradoxo que, por um lado, o termo “depressão” seja cada vez mais utilizado e igualado à tristeza ocasional, mas por outro siga sendo um tabu que “deve” ser enfrentado em segredo e de maneira individual – como se sua aparição fosse um traço unicamente individual! Tal tabu transforma a depressão em sinônimo de suicídio, o que se torna um risco para os que dela padecem e são vistos com empatia.
No entanto, não é coincidência que a depressão e suas consequências, como o suicídio, tenham se transformado em uma das principais “doenças do século 21” e uma das principais causas de morte – ou que será num futuro próximo –, em especial para um amplo setor da juventude trabalhadora que vê quebradas suas esperanças de ter uma vida digna, já que as condições de trabalho em que os jovens se inserem a cada dia são mais golpeadas.
A depressão tem múltiplos elementos que não podem ser generalizados porque dependem de cada sujeito, como seu histórico familiar e psíquico; contudo, o fator social é determinante no seu desencadeamento e permanência. Como explica Ana María Fernandez em seu livro Jóvenes de vidas grises (“Jovens com vidas cinzas”), não se pode isolar o contexto social que impossibilita à juventude um planejamento de seu futuro, como têm feito as economias neoliberais que instituem na subjetividade uma quebra de esperança coletiva, o que corresponde a “toda uma estratégia biopolítica de vulnerabilização”.
Tais condições não podem ser explicadas sem se compreender o modo de produção capitalista que a cada dia é mais voraz, que busca aumentar seus lucros precarizando e empobrecendo a vida da classe trabalhadora de conjunto – somente no México há mais de 50 milhões de pessoas em situação de pobreza. E é neste cenário que a juventude se insere num mundo competitivo e a cada vez mais individualista – este setor representa um amplo exército de reserva no mundo do trabalho e enfrenta cada vez maiores dificuldades para estudar, já que possui as piores condições de trabalho e menos de 15% dos que prestam vestibulares para a universidade têm acesso à educação.
O transtorno depressivo e seu crescimento brutal parecem mais ser um sintoma de uma época que reflete a pouca esperança em relação ao futuro, causada pelas condições cada vez mais insustentáveis nas quais vive a classe trabalhadora. Não é de se espantar que este setor sinta um profundo desânimo e tenda à depressão crônica ou ao suicídio.
Como mostram os dados, a maioria dos suicídios ocorre no âmbito privado, mas também existem casos em que claramente se nota o determinante social, como aconteceu em 2012 com Dimitris Christoulas, o aposentado de 77 anos que se suicidou em frente ao parlamento grego. Em parte da carta encontrada nos bolsos do idoso que pôs fim à sua vida, se lia:
“O Governo de Tsolakoglou aniquilou qualquer possibilidade de sobrevivência para mim, que se baseava em uma pensão de aposentadoria muito digna que eu havia pagado por conta própria sem nenhuma ajuda do Estado durante 35 anos. E, dado que minha idade avançada não me permite reagir de outra maneira (ainda que, se um compatriota grego sacasse um kalashnikov [tipo de fuzil], eu o apoiaria), não vejo outra solução que não seja pôr fim à minha vida desta forma digna para que não tenha que acabar revirando lixeiras para poder sobreviver. Creio que os jovens sem futuro algum dia sacarão as armas e as apontarão boca abaixo aos traidores deste país na praça Syntagma, como os italianos fizeram com Mussollini em 1945.”
Portanto, está na hora de falarmos e debatermos assuntos sérios, como feminicídio, homofobia, pedofilia, psicopatia, racismo, genocídio, infanticídio, matricídio, parricídio, autocídio, e homicídios, e não continuarmos exercendo os mesmos papéis, cujos scripts, já não nos interessam, a não ser que sejamos tão doentes que nos neguemos a ampliar discussões e procurar soluções para frear essa onda de ignorância, silêncio e por que não dizer conivência com todo esse desequilíbrio que vem afetando a sociedade.
Vânia de Farias Castro.
14 de março de 2018
João Pessoa, Paraíba, Brasil.

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