terça-feira, 5 de setembro de 2017

TEMPO DO SONHO

TEMPO DO SONHO
Sou do tempo em que
lavada as fraldas de meus filhos
as pendurava nos varais
como bandeiras brancas
a tremularem em direção ao vento
sim, a paz que a maternidade
trouxe ao meu coração
esquecendo as injúrias
ingratidões e perversões
de outros companheiros
nas íngremes caminhadas
em direção ao crescimento.
Sou do tempo em que
enfileirava seus calções
com a emoção de quem
organiza medalhas na alma
compensando as involuntárias
ausências, tão necessárias
e urgentes, na manutenção
de seus pequenos corpos!
Sou do tempo em que juntos
numa pequena sala
assistíamos vários filmes antigos
mudos, em preto e branco
onde os gestos nos falavam
tão alto que ainda hoje
os escuto nos escaninhos
da memória que já falha
nos registros de fatos recentes...
Sou do tempo em que
escutava numa calçada
com olhos e ouvidos atentos
a Dona Dú, velhinha querida
e amorosa que nos tirava
das paisagens a nossa frente:
muros altos, de fábricas antigas
de beneficiamento de sisal
os contos de fadas,
nos eram apresentados
com suas bruxas malvadas,
madrastas invejosas,
numa eterna e asselvajada luta
para manter a juventude,
que agora se esvaía.
Princesas puras e ingênuas,
a espera de um príncipe
que as tirasse daquele martírio
e as levasse para seus castelos
no dorso de um corcel branco.
E em nossas viagens pueris
esquecíamos do pó em nossos pulmões
das tosses noite adentro e alergias
daquele muro cinzento e tão alto
que nos parecia fortalezas
dos castelos medievais
das águas ferventes e coloridas
saídas de seus bueiros
apressadas e com ira, destruindo
a vegetação em volta...
Para nós, eram pequenos vulcões
de cujas erupções, saíam paletas
de cores ferventes e multifacetadas
Ah, sou do tempo do sonho...
Da alquimia, em que transformávamos
uma paisagem empoeirada
pelos dejetos industriais
em castelos antigos
onde poderíamos encontrar
flores coloridas, frutos doces
fadas e elfos a nos receberem
com mesuras e presentes...
Não pensávamos nos operários
cobertos de pó, enclausurados
como brinquedos velhos
e cujos sonhos, recebiam a visita
de pesadelos cruéis, quando
o final do mês, se aproximava...
Pois é... sou do tempo do sonho!
Vânia de Farias Castro
em agosto de 2017

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